sábado, 19 de setembro de 2009

NOS BRAÇOS DE MORPHEUS

O Largo da Igreja estava cheio de gente. Acho que era dia de procissão, e eu envergava uma túnica que parecia dar-me algum protagonismo. Eu ia lendo um manual de matemática cheio de expressões e exercícios vários, que claramente não entendia, mas que me permitia não olhar nos olhos daquela gente. Sem duvida que eu era ali um elemento estranho, fora daquele contexto.

De repente, a procissão começa a movimentar-se, e estranhamente toma várias ruas. Opto pela que vai a banda de musica. Inexplicavelmente quando entro nessa rua, ela está completamente vazia. Procuro voltar à procissão, mas não a encontro, e a rua está cheia de lama, o que me dificulta os movimentos. Encontro-me noutra rua, mas está em obras, com grandes valas abertas, e carros velhos atolados por todo o lado. Não entendo nada e começo a entrarem pânico, e nada sei da procissão. De repente encontro-me num largo com arvores e vegetação diversa. A meu lado, uma senhora de meia idade, diz-me que vai ali nascer uma grande obra. Se me disse qual, não me lembro.

Começa a ficar muito escuro. Vai haver tempestade e começa a chover torrencialmente. Noto que tenho um fato de oleado, e procuro vesti-lo. O vento sopra terrivelmente; consigo enfiar um braço, mas o vento impede-me de chegar à outra manga. Estou Sozinho, encharcado e assustado. Continuo sem entender nada à minha volta. Está escuro; muito escuro, e eu tenho medo.

Ouço uma vós que me chama. Estranhamente, parece-me que já ouvi aquela vós noutro lado. Pega-me na mão e arrasta-me para qualquer lado. É uma mulher, mas não consigo ver-lhe o rosto. Encontramo-nos numa espécie de abrigo. Não percebo nada, mas começo a tranquilizar-me. Há luz no local, mas não consigo perceber donde vem. Velas? Um archote? Acho que é uma lareira. A luz permite-me ver o seu corpo, mas não o seu rosto. Ela começa a tirar a minha roupa molhada, talvez para enxugar na lareira que agora vejo nitidamente. De repente noto que ela também está nua. Abraça-me, acaricia-me e beija-me longamente. Parece-me reconhecer aquele beijo, mas continuo sem lhe ver o rosto. Já não tenho medo, e não entendo porque acho que sei quem é. Resolvo entregar-me sem pensar em mais nada. De repente fico com a sensação de que já estivera naquele local e vivera aquele momento. Esta espécie de déjà vu, provoca-me um despertar quase violento.

Sinto o abraço da minha companheira, que me pergunta se tive um pesadelo. Digo-lhe que está tudo bem, e ela volta a adormecer.

É incrível como nos podemos sentir culpados de algo que não aconteceu.

4 comentários:

  1. Parece-me ser este um caso para psicólogos analizarem. Secalhar vão dizer-lhe que há algum sentimento recalcado. Provavelmente, vão afirmar que o amigo gostaria de ter sido padre ou sacristão e não o sabe, pois perdeu-se na procissão e acabou nos braços do mafarrico, desviou-se do rumo e caiu na tentação. Mas eu não tenho essa opinião. Para mim isso é um problema de números. A solução estava no manual. Quanto ao sentimento de culpa, deixe lá, não é o único... eu também devia ter estudado mais. Um abraço e oxalá que os seus piores pesadelos acabem sempre assim, com braços carinhosos e reconfortantes de ambos os lados da fronteira da realidade.

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  2. Amigo Zé, espero sinceramente que seja a sua análise a mais correcta, e já agora e tal como diz, que sejam estes os meus piores pesadelos.
    Apareça sempre.

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  3. Olá Aníbal,

    Parabéns por este novo espaço. Está lindo.

    Vamos concerteza ser visitantes assíduos para estarmos sintonizados com o seu talento e espírito de observação.

    Longa vida ao "Por este Raia acima".
    Um abraço
    Rui Carapinha

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  4. Olá Rui.
    Você é um amigo e não é preciso dizer mais nada. A não ser que é para mim um previlegio ter no meu cantinho, a visita do grande obreiro e mentor desse enorme projecto, que é a Associação Nova Cultura de Montargil.

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