sexta-feira, 9 de julho de 2010

CÁLICE


Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...

Como beber
Dessa bebida amarga
Tragar a dor
Engolir a labuta
Mesmo calada a boca
Resta o peito
Silêncio na cidade
Não se escuta
De que me vale
Ser filho da santa
Melhor seria
Ser filho da outra
Outra realidade
Menos morta
Tanta mentira
Tanta força bruta...



Como é difícil
Acordar calado
Se na calada da noite
Eu me dano
Quero lançar
Um grito desumano
Que é uma maneira
De ser escutado
Esse silêncio todo
Me atordoa
Atordoado
Eu permaneço atento
Na arquibancada
Prá a qualquer momento
Ver emergir
O monstro da lagoa...



De muito gorda
A porca já não anda

De muito usada
A faca já não corta
Como é difícil
Pai, abrir a porta

Essa palavra
Presa na garganta
Esse pileque
Homérico no mundo
De que adianta
Ter boa vontade
Mesmo calado o peito
Resta a cuca
Dos bêbados
Do centro da cidade...

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...

Talvez o mundo
Não seja pequeno

Nem seja a vida
Um fato consumado

Quero inventar
O meu próprio pecado

Quero morrer
Do meu próprio veneno

Quero perder de vez
Tua cabeça

Minha cabeça
Perder teu juízo

Quero cheirar fumaça
De óleo diesel

Me embriagar
Até que alguém me esqueça



(Chico Buarque/Gilberto Gil

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