sábado, 5 de junho de 2010

UMA TREMENDA INJUSTIÇA


Este foi um episódio que me marcou de forma definitiva, e que ainda hoje recordo nos seus mais ínfimos pormenores, mesmo cinquenta anos depois.
Por aqueles tempos, eu passava largas temporadas em casa dos meus avós. Naturalmente percorria aqueles montes em busca de outras crianças, para com elas poder brincar. Um dos meus companheiros de diversão, morava no monte antes do Vale Ladrão. Era um menino mimado que vivia debaixo da protecção constante da Madrinha, pessoa para quem o menino era intocável, qual flor de estufa frágil, e que antes da brincadeira começar, era sujeito a um monte de conselhos sobre sobrevivência.
No entanto não tinha até então, razão de queixa da maneira como era recebido. Recordo-me que a tal madrinha se chamava Sanita, não por qualquer conotação especial, mas em consequência do diminutivo de Conceição.
Pois bem, certo Domingo, estando eu no Pátio da Igreja da Farinha Branca, brincando com outros moços, eis que surge a Sanita, e na presença de toda a gente, me acusa de ter vilmente enganado, coitadinho dele, o seu inocente afilhado, ao ter-lhe dado um reles pardal do telhado, em troca por um brinquedo caro, que eu nem cheguei a saber qual era.
Todas as pessoas que ouviram a acusação saíram em minha defesa, pois nunca se ouvira dizer que eu fosse criança de mexer em nada, e era conhecido por ser educado e respeitador. Retorquiu a Sanita que não se tratara de um roubo, mas de uma troca abusiva, já que o seu afilhado era uma criança mais nova e ingénua.
Eu não tive qualquer reacção, não consegui articular palavra para me defender, e acabei por me afastar como culpado.
Atrás da Igreja chorei a minha revolta. O Manel Ramalho foi o único que me viu chorar, e esteve ao meu lado.
A minha Mãe quando teve conhecimento do caso, foi ter com a Sanita para pedir explicações. Nessa altura o tal brinquedo já tinha aparecido destruído debaixo de um móvel qualquer, ali escondido pelo menino ingénuo e inocente que eu enganara. Mas a dita Sanita, nunca me procurou para pedir desculpa da falsa acusação que publicamente me fizera.
Nunca mais consegui gostar daquela gente, e procurei não lhes por os olhos em cima.
Cinquenta anos depois, continuo a achar que foi uma acção miserável.

3 comentários:

  1. Ora viva, amigo Aníbal.

    Depois de uns dias de interregno, temos hoje um post que, apesar das diferenças, se pode associar ao anterior, o do Dia Mundial do Leite.

    Como disse, naquele sucedâneo de coisas e loisas, o leite, como alimento essencial, é importante desde o dia em que nascemos. Bem assimilado, principalmente durante a infância e a adolescência, é fundamental para o desenvolvimento físico.

    A par disso, as pequenas contrariedades como a que nos conta hoje, vividas, ultrapassadas e delas tiradas as devidas lições, servem para cimentar o espírito e fortalecer a personalidade.

    É a vida. E, como dizia o poeta, é assim que os putos deste povo aprendem a ser Homens.

    Um abraço.
    C.B.

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  2. Caro Aníbal,
    Embora seja mais novo, é com certa nostalgia que recordo a minha vivência, não de há cinquenta anos, porque não era nascido, mas há cerca de trinta, em que as bricadeiras giravam à volta do berlinde, da bicicleta e durante o verão, de frequentes idas à ribeira, em suma, os nossos tempos livres estavam sempre associados à natureza.
    Esse contacto com a natureza e com o perigo fizeram de nós adultos mais resistentes, com outra qualidade de vida e personalidade mais sadia. Com valores éticos e culturais submetidos a coordenadas do tempo e do espaço, não direi melhores, mas diferentes.
    Parabéns

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  3. Olá caros amigos CB e JR.

    Concordo que as dificuldades fazem, ou fizeram, parte do crescimento de cada um de nós.
    Costuma dizer-se que é caindo que aprendemos a levantar-nos, e muito se aprende com os erros.
    Há no entanto diferenças entre as quedas fruto das nossas opções, e as que caímos quando nos empurram.

    Abraço.

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