terça-feira, 8 de novembro de 2016

MENSAGEM DO OUTRO LADO DA VIDA

Como quase todos os dias, Ramiro cumpria o que se tornara um ritual quase religioso, e dirigiu-se para o Cemitério de Morabenta. Zyra, a sua querida e amada Zyra, tinha falecido três anos antes, num trágico acidente automóvel. Desde então Ramiro assumira a morte da sua amada como sendo a sua própria morte. Vivia para a sua memória e limitava-se a sobreviver. Caminhava apressado para o Cemitério com a convicção de quem sabe que Zyra já estranha a sua demora.
Ramiro era querido em Morabenta, terra que o vira nascer e conhecia bem a sua dor. Ía recebendo os cumprimentos dos transeuntes, mas ninguém perguntava onde ia.
Naquele entardecer do final de Novembro, estava frio e ameaçava chover. Já perto do Cemitério, arrependeu-se de não trazer guarda chuva. Ao contrário do habitual àquela hora, naquele dia o Cemitério não estava vazio. Naquela pedra junto ao primeiro jazigo e que sempre ali estivera, estava sentada uma jovem muito bonita. Ramiro nunca a tinha visto antes e não teria mais de vinte anos. Envergava um estranho vestido de manga curta que mais lhe lembrou uma camisa de dormir. Cumprimentou-a mas ela não respondeu. Olhou fixamente para ele como se o conhecesse. Um olhar tranquilo e sereno. Ramiro achou que ela tinha de ter frio, tanto mais que aquele vestido singelo não parecia proteger lá grande coisa. Perguntou se precisava de ajuda, mas não obteve resposta. Ramiro despiu o seu blusão e pô-lo pelas costas da moça bonita. Ela não fez qualquer gesto. Disse-lhe que ia visitar uma campa ali perto, e se quisesse ir embora, poderia deixar o blusão ali mesmo.
Ramiro sentou-se na campa da sua amada Zyra. Falou com ela, rezou e esqueceu a moça bonita. Lembrou-se dela quando passou junto da pedra e reparou que ela não estava nem tinha deixado o blusão. Mas estava escrito que aquele encontro tinha mais para contar.



Aquele era mais um dia em que Ramiro fez exatamente o que sempre fazia. Caminhou a passo marcado em direção ao Cemitério de Morabenta, ao encontro da sua amada Zyra. Entrou quase sem ver onde punha os pés. Conhecia cada degrau, cada declive, cada espaço entre campas quase sem olhar. Mas nesse dia no espírito de Ramiro seria inundado de dúvidas difíceis de explicar.
Ramiro logo que chegou junto da campa da sua amada, deu de caras com o blusão que emprestara á moça bonita que encontrara sentada na pedra junto ao primeiro jazigo. Seguramente ela descobrira onde ele sempre se dirigia, e deixou ali o Blusão, na certeza que ele o veria. Fazia sentido.
Ramiro dirigiu-se à campa ao lado da da sua amada Zyra, para recolher o blusão, mas o que viu deixou-o sem pinga de sangue: A fotografia que estava na campa, era a da moça bonita, e até o vestido era o mesmo. Aquilo não fazia qualquer sentido, e como se o seu espírito não estivesse confuso bastante, reparou que a data da morte da menina da foto, era de quase oitenta anos antes. De facto o mármore daquela campa estava bastante negro, com evidentes sinais de abandono e antiguidade.
Ramiro sempre duvidara de que houvesse vida para alem da morte. De acordo com as suas convicções, a vida física é tudo o que existe. Nunca tivera inquietações metafisicas a cerca da vida etérea, e tudo o que agora o confrontava não o deixava sequer pensar um pouco. Sem saber o que fazer ou o que pensar, acabou por rezar um pouco, não porque achasse que isso adiantava alguma coisa, mas por uma reação instintiva. Saiu apressado do local, mal se despedindo da sua amada.
Ramiro pensou, pensou, e sem chegar a qualquer conclusão, resolveu não contar nada a ninguém. Não lhe apetecia passar por louco, mas sabia que nada do que lhe estava a acontecer era definitivo.


A pouco e pouco Ramiro foi aceitando o mistério como isso mesmo. Não lhe apetecia ocupar mais o seu espírito com algo que parecia não ter explicação.
Naquele dia fazia anos que começara a namorar a sua querida Zyra. Ramiro fez-se acompanhar de um enorme ramo de cravos brancos, a flor preferida da sua amada. Tinha a certeza que lá no lugar etéreo onde se encontrava, ia ficar encantada com a beleza das suas flores queridas. Sentiu-se contente e apressou o passo. Tinha pressa de chegar junto da sua Zyra.
Entro no Cemitério e o mundo desabou sobre ele: Na mesma pedra, a moça bonita a quem emprestara o blusão, e cuja foto estava na campa antiga, lá estava sentada, olhando para ele com o mesmo olhar tranquilo e sereno. Ramiro achava que ela o olhava como se o conhecesse, quase como um amigo que se espera. Ramiro não teve qualquer receio, e aproximou-se dizendo-lhe que ela tinha muito que lhe explicar. O que fazia ali, o que tinha a ver com a foto da campa ao lado da sua amada, e que tinha perto de oitenta anos, e acima de tudo o que queria dele. Mas ela simplesmente não respondeu. Mas olhava-o insistentemente, e Ramiro achava que havia carinho nesse olhar. Sem saber mais o que fazer, aquele impasse de nada servia. Ramiro aproximou-se da moça bonita, retirou um dos cravos brancos do ramo e estendeu-o à moça bonita. Finalmente ela teve uma reação, estendei ligeiramente o braço e aceitou a flor. Ramiro estremeceu; Tinha a certeza que tinha tocado a mão da moça bonita, mas não sentiu o seu contacto. Foi como se a sua mão não estivesse lá. Ramiro achou que não havia nada a fazer. Despediu-se dela com um aceno não correspondido, e encaminhou-se para a campa da sua amada. Mal chegou junto dela, viu de imediato um cravo branco em cima da campa da sua Zyra. Voltou para trás a correr. A moça bonita já lá não estava, mas aquele cravo só podia ser o que lhe oferecera. Mas porque o deixou na campa de Zyra e não na sua? O que tinha a sua amada a ver com tudo o que lhe estava a acontecer?. Haveria alguma ligação entre elas? Mas que relação podem ter duas pessoas, ambas falecidas e separadas no tempo por oitenta anos?
Ramiro não encontrava respostas para nenhuma das suas dúvidas, mas desta vez esta disposto a ir à procura de respostas. Se as houvesse, ele havia de lá chegar.




Ramiro sempre associara o espiritismo a superstições, cartomancia, cristais, búzios e até bruxaria, mas essa espécie de preconceito era agora águas passadas. Quem vive o que ele viveu, acredita em tudo, por mais inverossímil que pareça.
Ramiro percorreu todos os caminhos do misticismo, desde a leitura da mão até ás mais profundas manifestações do oculto. Nenhum deles lhe trouxe qualquer resposta que ele conseguisse aceitar. A decisão de participar numa sessão espirita, apresentava-se como a ultima esperança para acalmar o mar de dúvidas em que vivia.
A sala era grande, tendo no meio uma mesa oval de dimensões consideráveis. Todos os lugares estavam ocupados, e Ramiro contou toda a sua história de acontecimentos impensáveis. Estranhamente ninguém se mostrou surpreendido, parecendo até que já teriam ouvido outras iguais.
Disseram-lhe que sim, que era possível ele falar com a moça bonita do cemitério, mas apenas se isso fizesse parte da missão que ela tinha. Ramiro perguntou porque não falara a moça bonita com ele. Responderam-lhe que isso não lhe cabia questionar, mas apenas aceitar ou recusar o que lhe apresentava. Ramiro decidiu ir em frente. Ramiro ficou impressionado com o aparato daquele cerimonial. Ramiro não entendia nada mas também já se preocupava com isso. Ao redor daquela mesa, todos deram as mãos. A luz das lâmpadas começou a oscilar, como se balouçasse ao vento, mas como podem balouçar a luz elétrica? Ramiro decidiu que a partir dali nada o surpreenderia. Ele procurava respostas, e para as obter ele aceitava acreditar em tudo.
A mulher de meia idade que parecia dirigir aquela estranha reunião, disse que uma entidade vinda do alem, já estava presente. Ramiro achou que o epilogo que esperava esta próximo.
Ele estava pronto.



Chegara o que parecia ser a hora da verdade. A mulher que parecia ir servir de médiun, convidou a entidade recém chegada a manifestar-se. Quase de imediato a senhora começou a tremer e a ter convulsões, fechou os olhos e teve alguns espasmos e logo se tranquilizou. Do outro lado da mesa, outra mulher perguntou a quem acabara de chegar, o que fazia entre nós e o que pretendia. Da boca da mulher dos espasmos saiu uma voz afirmando que trazia uma mensagem. Ramiro tinha a certeza que era a voz da menina bonita do cemitério. Foi como se a tivesse reconhecido de imediato, mas como podia ter tal certeza, se nunca ouvira a sua voz? Não fazia sentido mas ele tinha a certeza. Só não entendia de onde vinha tal certeza. Perguntou se era com ele que queria falar, ao que ela respondeu que sim. Mas porquê tudo aquilo? Porque não falaram com ele no cemitério? Ela respondeu que não lhe era permitido, que ainda não tinha chegado a esse nível de evolução. Mas então o que queria dele? Ela trazia um pedido da sua amada Zyra. Mas então porque não veio ela? Ele teria dado tudo para voltar a vê-la. Respondeu-lhe que ela não poderia fazê-lo. A sua evolução estava no inicio. Mas que pedido era esse que parecia ser tão importante? Um pedido de perdão. Ela precisava desse perdão para seguir o trilho da luz. Mas que perdão era esse? Zyra sempre fora um exemplo. Huve um silêncio momentâneo que a Ramiro pareceu uma eternidade. A voz fez-se ouvir como lâminas cortantes: Um momento mau, uma fraqueza momentânea, um desconhecido, uma vez, o pecado da traição. Não!! Não podia ser. Ele não queria acreditar, mas a dor tomava conta do seu coração. A voz da moça bonita diz que a sua amada está em comunicação com ela, e pedelhe para acrescentar algo. Ramiro reage aos gritos. Não. Não quer ouvir mais nada. Sim, ele concedia esse perdão, mas que não lhe pedissem mais nada. O seu coração sangrava enquanto pela sua memória desfilavam três anos de memória, três anos de fidelidade, três anos de saudade. Agora tudo se desmoronava.
A senhora de meia idade disse que a entidade se fora.
..
Ramiro deambulava agora nas cercanias do cemitério. Não sabia se devia lá voltar. Aliás não sabia o que dizer aquela que tanto amara.. De repente Ramiro ouvira uma saudação. Era a sua jovem vizinha que sempre simpatizara com ele, sem que ele valoriza-se isso. De repente reparou que ela era bastante bonita e simpática. Resolveu caminhar um pouco com ela.
Não. Não iria ao cemitério.
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Aníbal Lopes










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