quinta-feira, 26 de novembro de 2009

TRASTES, TARECOS E TRALHAS

Cada um é como cada qual. Nada de mais acertado e evidente.

Há até quem seja conservador por vício e liberal por consciência cívica.

Falamos de trastes, tarecos, tralhas, monos e bugigangas que só estorvam mas teimamos em preservar e acrescentar numa cruzada pela contemplação de um espólio de inutilidades que nos reconduz a pessoas, episódios, lugares e circunstâncias por que todas as vidas passam.

É quando mudamos de casa e temos de remexer na memória à vista dessas relíquias adormecidas nos sótãos e caves dos nossos quotidianos que a gente se dá conta do passado que nos persegue numa rota de ziguezagues entre sonhos e pesadelos.

Eu, que guardo o cesto da costura, o ferro de engomar enferrujado, o cachené desbotado e o relógio de parede minado pelo bicho-carpinteiro que eram da minha avó Rosa; o púcaro de lata amolgado, o penico de barro, a manta lobeira e as cabacinhas do catre da minha avó Maria; os cinchos, os funis, as formas das filhós e os espevitadores do fogareiro a petróleo da minha mãe; a foice, a gadanha, a moeira, a forquilha, e a navalha de barba do meu pai; as aivecas, os chocalhos, os guizos e a arrilhada do meu avô António; os barbilhos, os cabrestos, a sovela, e o fio barbante do meu avô Manel; a ardósia, a caneta de molhar e o caderno de duas linhas da minha iniciação escolar; as andas, o estoque, a fisga, a cegarrega e o pião das minhas brincadeiras; bem percebo – oh se entendo – o laureado arquitecto Siza Vieira quando, entrevistado, deixou escapar: “mudar de casa é uma das coisas terríficas da existência. Vamos acumulando coisas, a maior parte das quais não serve para nada. É muito difícil na hora de mudar, que é a oportunidade de dispensar todas as inúteis, a gente desprender-se. Há coisas que tenho no armazém do escritório que não me interessa nada ter. Mas não consigo dar nem deitar fora. Há um agarramento grande. Há uma longa história que é difícil abandonar. È muito doloroso.”

Li, sublinhei e vi-me ao espelho nas lentes dos óculos do assisado arquitecto barbudo.


Um original do Escritor e Poeta Montargilense PRATES MIGUEL , retirado com a devida venia, em www.montargilforum.com/

3 comentários:

  1. Mais um extaordinário pedaço de vida, saido da pena de Prates Miguel. Este grande Poeta e Escritor da minha terra, tem o condão de nos fazer viver o que escreve como se nós estivessemos dentro dos seus cenários.
    O amor que mantem à sua terra e o apego ás suas raizes e á sua gente, faz dele um intelectual do Povo.
    Não posso negar o facto de me sentir orgulhoso por ele ser da minha terra.

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  2. Como o Povo costuma dizer, com papas e bolos, se enganam os tolos.

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  3. Infelizmente há tolos por todo o lado...

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