sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Ulrich, banqueiro manhoso mas com uma língua pensadora

por João Tunes

Em cavalgada suave em cima da crise e da austeridade, para já em ritmo de passeio, aproximam-se as ofensivas fundas contra os direitos sociais, nomeadamente os de âmbito laboral.

Obviamente que as empresas, as que vivem (só ou também) do mercado interno, sabem que as baixas consideráveis nos rendimentos em ordenados, reformas e subsídios, com aumento das contribuições fiscais, vão levar em linha recta à retracção aquisitiva e, portanto, a uma menor circulação de mercadorias e serviços. Logo, facturação a cair à vista. Se assim está decidido, por uma pretensa fatalidade da lógica de esbulho fiscal em tempo de crise indomável, o patronato e a burocracia eurocrata avançam com imaginação na perspectiva de formas em que as certas e seguras dificuldades para as empresas sejam “devolvidas” aos “responsáveis” pela retracção das compras (os trabalhadores-consumidores). Ou directa e descaradamente em termos de rendimentos laborais enquadráveis em estratégias à medida de retracção de custos, ou, talvez sobretudo, aproveitando a onda de fatalidade psicologicamente adquirida, tentando atingir antigos alvos na fragilização laboral dos trabalhadores. E, na regressão de direitos, o grande alvo é a liberalização dos despedimentos individuais (e de que Passos Coelho já tinha dado um cheirinho no seu projecto de revisão constitucional mal chegou ao comando do PSD). Um burocrata eurocrata veio avançar com o “conselho” da baixa no valor das indemnizações nos despedimentos. Agora, o banqueiro Fernando Ulrich colocou, preto no branco, com a pretensa coragem dos quebradores de tabus, a defesa não da baixa das indemnizações mas a atribuição do absoluto poder arbitrário do patronato para despedir quem quiser e quando quiser e sem sequer indicar as (eventuais) razões.

A fragilização laboral pretendida por Ulrich, e naturalmente que este senhor – reles senhor – é apenas o mais descarado de um vasto grupo de pressão, atingiria não só a segurança como a marca de identidade que liga o trabalhador a um posto de trabalho. Ou seja, colocaria cada um no máximo patamar da precariedade, a de trabalhar sem qualquer rede nem raízes. Qualquer trabalhador seria, assim e automaticamente, mais precário que até o contratado a prazo, pois o prazo de cada um seria o do dia (ou hora) do momento. E, claro, a menos que possuído pela coragem dos temerários, incapaz de reivindicar, sindicalizar-se, defender-se, seguindo uma pauta de comportamento laboral que não se guiaria por contrato ou códigos de conduta mas indo até à decifração muito fina e apurada dos humores dos mandantes (do chefe até ao patrão), pois a esta rede de poder, às suas deliberações mais íntimas, competia saber se cada um é uma “boa” ou “má” “companhia na companhia” (usando a terminologia do celerado Ulrich).

Dá que pensar o facto de este pico de ofensiva antilaboral seguir-se imediatamente a uma “greve geral”. O que significa que o patronato mais agressivo não se assustou. Antes, pelo contrário, soube ler as debilidades da ligação sindical aos trabalhadores e a incapacidade de se articular e integrar as formas de luta, principal demonstração e consequência daquela jornada.

(publicado também aqui)

2 comentários:

  1. Alguém um dia disse que era preciso acabar com os pobres para que estes não acabassem com os ricos. Esta gente parece não perceber que está a criar cada vez mais pobres...

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  2. Não só percebem, como o desejam amigo.
    Mais pobres, mais barata fica a mão de obra.
    Menos trabalhadores, que irão ser mais explorados, por menos dinheiro.
    No balanço final, sempre o máximo lucro.

    E nem precisam depender do mercado local, a maior parte das vezes.

    Que interessa a comunidade, quando se tem os consumidores fora do pais.

    O pessoal não consome? Isso é problema dos chineses... os nossos mercados são outros...

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