quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A FIGUEIRA DO VELHO VEREDAS

É conhecida a facilidade com que por vezes nos devotamos a certos ídolos, que na maioria das vezes se acaba por concluir que têm pés de barro.

Da mesma forma e com igual facilidade, consideramos quase como monstros, pessoas que mal conhecemos, mas de quem se diz “cobras e lagartos”, normalmente sem sequer sabermos porquê.

É de uma dessas pessoas que vou falar.

A história é longínqua de mais de quarenta anos, e foi-me contada por um amigo. É portanto, uma história em segunda mão, mas que vou contar como se fosse minha. Naturalmente que o nome aqui usado, é fictício.

O Veredas, era um velho barbudo, de aspecto descuidado e carapuça sempre enfiada na cabeça, e a quem nunca vira acompanhado de ninguém. Verdade se diga que ele próprio, não era fácil de ver, a não ser por quem se aproximasse do canavial que separava a sua horta, dos terrenos baldios onde a rapaziada costumava brincar. Só que essa aproximação, só por si, já era um perigo enorme, pois todos sabíamos que o Veredas era um velho mau e perigoso, capaz de fazer mal a uma criança indefesa. Não que nós alguma vez tivéssemos visto ou ouvido qualquer ameaça a quem quer que fosse, mas porque era o que todos diziam.

Perto do canavial, eram bem visíveis duas enormes figueiras, carregadas de figos maduros.

A fome era mais forte que o medo, e não havia Veredas à vista. Parecia certo que ele não estava na horta, e o canavial não era obstáculo para um rapagão de sete longos anos.

Não resisti à tentação, nem fiz muito por isso. Enquanto o diabo esfregou um olho, estava em cima da figueira que me pareceu ter os melhores figos.

Não sei quantos já comera, quando ouvi um ruído. Ao olhar para baixo, tive a clara visão do Inferno: O Veredas estava a olhar para mim. Fiquei de tal modo aterrorizado, e o meu medo devia ser tão visível que o próprio Veredas terá tido pena de mim. Olhou-me e falou sem parar:

---“ Escusas de estar a tremer que eu não te faço mal. Come à vontade e podes voltar sempre que tenhas fome. Mas quando acabares, quero as peles dos figos todas enterradas.”

O Veredas afastou-se rapidamente, e foi já a alguma distância que olhou para trás, e gritou:

---“…mas nunca tragas a cesta!!!”

O Veredas afastou-se definitivamente.

A minha pouca idade e o medo de que estava possuído, levou-me a fugir dali a sete pés, sem entender praticamente nada e sem enterrar as peles dos figos que comera.

Nunca mais esqueci o Veredas, e com o passar dos anos, fui entendendo cada uma das suas palavras, até concluir que o Veredas era um Homem bom, que por razões que só a ele respeitavam, escolhera ser solitário e afastar-se dos outros, que por maldade ou ignorância, não o respeitavam nem entendiam a sua forma de vida.

2 comentários:

  1. Caro Aníbal, esta história do Veredas, é uma grande lição de vida, contudo digo-lhe que a vida está cheia de Veredas, e afirmo-lhe convictamente, que continuam a ser desprezados, nos dias que correm, ainda mais do que no tempo do Veredas. Pense nisso, mas pense ao sério.

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  2. Caro amigo, não só creio nas suas palavras, como tenho a certeza de que são certas.
    Penso nisso sim, tanto mais que por vezes,provavelmente vezes a mais, todos nós acabamos por ter também um pouco de Veredas, embora isso nem sempre melhore os nossos próprios julgamentos em relação aos outros.
    O ser humano está longe de ser perfeito, e é o seu pior predador.
    É a nossa génese.

    Abraço.

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