quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

SÍTIOS E VIVÊNCIAS

É conhecido, pelo menos no meu círculo de amigos, o amor que sinto pelos sítios e vivências da minha infância, e a saudade que me invade sempre que a sua memória ocupa o meu coração.

Muitos desses sítios estão hoje totalmente diferentes, ou mesmo desapareceram, mas na minha memória estão exactamente igual e no mesmo sítio.

Basta-me fechar os olhos para nadar “em pelica”no tanque da minha horta, beber água na fonte do Ti Zé do Moinho, que enchia a presa onde as mulheres lavavam a roupa, ou moldar barro no Forno do Telheiro.

Posso facilmente apanhar camarinhas na Terra Preta, Mirtilos (mortinhos) no Carvalhoso, medronhos no Vale da Areia, ou marmelos na horta do meu tio Manuel Galiza.

Se continuar de olhos fechados, posso ainda entrar na Azenha do meu Tio Artur do Moinho, depois de olhar extasiado a roda gigante movida pela água aprisionada na presa, e que faz mover as mós, que num movimento rotativo e continuo, transforma o trigo ou o milho em farinha, enquanto no ar, uma suave névoa branca vai-se mantendo suspensa, até cair suavemente sobre tudo à volta, como se fora uma fina camada de neve.

E que dizer das enormes pescarias feitas no Vale da Terra Preta? Enquanto a minha mãe e as minhas tias dispõem ou mondam o arroz, eu e o meu tio António, pouco mais velho que eu, atacamos o Vale munidos de um cesto de verga com casca. Um fica a “aparar” e o outro bate a pé descalço as margens do vale, empurrando bordalos, pardelhas e cágados contra o cesto, que no tempo certo é levantado cheio de lismos e espadanas, mas também o prémio para tão exímios pescadores: O tão desejado peixe, que apesar de pequeno, é aproveitado para a janta.

Desses tempos longínquos, lembro também dos serões de verão, passados em casa de vizinhos, ou simplesmente sentado no poial fronteiriço à minha casa, olhando as estrelas e a lua, que segundo rezava a história, representava um homem de forquilha na mão, a empurrar mato para dentro de um forno.

Ou então as noites frias de Dezembro, sentado no meu mocho à lareira, sempre de olho nos pingos que caíam dos enchidos pendurados nas varas, que curavam ao calor e ao fumo das estevas e tanganhos de esgalha de azinho, apanhados naqueles cabeços de onde vinham também as boletas que assava num pequeno espaço aberto entre as brasas, e que eu tanto gostava.

Também esperava ansiosamente pelo Domingo, em que vestindo as minhas melhores calças de cotim azul, ia para a venda do meu Tio Manuel Gabriel, que permitia que eu me sentasse do lado de dentro do balcão da taberna, por baixo do enorme rádio, onde ouvia os relatos dos jogos do Benfica.

Pode parecer-vos estranho ter tão presentes aqueles tempos difíceis, e mais ainda, que os recorde com tanta saudade, mas aqueles tempos correspondentes a épocas de grande isolamento, tornava a vida mais autentica, e eu sentia cada canto como fazendo parte do meu habitat natural, como se fizesse parte de mim e tudo aquilo me protegesse.

Eu acho que era feliz, e se há coisas que me assustam, é o risco de perder a memória.

(imagem docarmomesquita, com a devida vénia)

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