segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O VOO DO CONDOR


O Canholas era o mais novo de cinco irmãos, sendo que três deles, foram meus companheiros na Escola da Farinha Branca. Mas apenas do Canholas , reza esta história.

Num tempo sem televisão nem literatura juvenil que desse a conhecer os heróis desse tempo, o Canholas traçava as suas próprias aventuras que tornava realidade, nunca se esquecendo de envolver os seus amigos, dos quais eu fazia parte.
O Canholas inventava sonhos, e tudo fazia para os concretizar. A sua veia inventiva só tinha paralelo na sua tendência para o fracasso.

Lembro-me da invenção da espingarda caçadeira, de cano de tubo galvanizado e coronha de cortiça, cujo primeiro disparo mereceu a presença de todos os amigos; Um cano atafulhado de cabeças de fósforos, que explodiu à primeira gatilhada. Não houve grandes estragos para alem da fuga desordenada da falange dos admiradores do “cientista”.

Pastor nas horas vagas, tentou por um carneiro a fazer habilidades, usando um pau numa mão, e um molho de ferrejo na outra.
Não sei se pela ameaça se pelo prémio, mas aquilo até parecia estar a resultar, até que o pobre do carneiro, de tão farto do “senta”,”levanta”, “senta”, “levanta”, contemplou o Canholas com uma bela cabeçada, o que conduziu a um novo falhanço.

Mas a grande empreitada do Canholas, era conquistar o coração da Rosário, uma linda menina por quem se tinha apaixonado, mas que não nutria grande interesse por ele.
Certo dia o Canholas chegou com a novidade: estava a treinar um condor. Um condor?? Mas que raio de bicho era esse? Era – explicou – um pássaro grande, muito inteligente e nobre, e a sua ideia era treina-lo para levar uma carta de amor à Rosário.
A ideia parecia estapafúrdia, só justificada pela paixão assolapada do Canholas, mas até poderia resultar.

Quando o Canholas entendeu que o condor estava finalmente preparado, reuniu todos os amigos para assistir à sua partida, rumo a tão relevante missão.
Quando chegamos a sua casa, no monte da Pipa, lá estava o condor dentro de uma gaiola. Afinal eu já tinha visto outros condores, mas que sempre lhes ouvi chamar de coruja ou mocho, mas enfim!!! O Canholas é que sabia.
A carta, o Canholas não permitiu que ninguém lesse, mas foi bem amarrada na pata do condor.
Com um movimento lento e emoção no rosto, o Canholas ergueu os braços, e dizendo uma oração, libertou aquele mensageiro do amor, que curiosamente partiu exactamente em sentido contrário à casa da Rosário, mas os desígnios de um carteiro, podem ser insondáveis.
Depois foi esperar pelo dia seguinte, e pela reacção da Rosário.

Se a Rosário recebeu a carta, não chegamos a saber, mas ela ignorou totalmente o Canholas.
Do condor, nem novas nem mandados.

2 comentários:

  1. Caro Aníbal, sou mais ou menos da sua geração. Não andei na Farinha Branca, mas conhecia bem a Pipa. Claro que não conheci nenhum Canholas, mas a história é deliciosa.

    Parabéns.

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  2. Obrigado pela sua intervenção, meu amigo.
    Como sabe, as histórias, mesmo as verdadeiras, têm sempre um pouco de imaginação.

    Abraço.

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