sábado, 22 de abril de 2017

ESTE RIO DE QUE VOS FALO

Sempre que me sinto contrariado, macanbuzio, melancólico, chato e sem paciência nem para mim próprio, costumo escolher as margens do Raia para descansar a mente e o espírito. Faço-o normalmente próximo do anoitecer. Neste final de tarde solarenga, o vento está agitado bastante para ondular as águas do Rio. Já se foram os últimos pescadores e outros caminhantes não há por aqui. Do sol sobra a aureola no horizonte, onde metade já foi comida pela montanha.
Puxo uma abandonada cadeira de plástico cinzento a quem já falta uma perna, sento-me e fecho os olhos concentrado-me nos ruídos e odores que me embalam. Esqueço o meu espírito contestatário e irreverente, o meu mau feitio ocasional e azedume que me reste, e abro o meu espírito ao espírito do local. Aqui o narrador não precisa da imaginação necessária a qualquer texto que se prese. Está tudo aqui e está a acontecer. Já anoiteceu e o vento agita o salgueiral onde a passarada já recolhida, ainda chilreia em abundância como se de um chamamento se tratasse. Ou talvez seja um dialogo entre eles. Mesmo barulhando todos ao mesmo tempo, não parece conflito ou discórdia, mas antes harmonia e concórdia. Aos retardatários apenas sinto mas não os vejo.
Finalmente faz-se silêncio, apenas quebrado por esvoaçares esporádicos dos que preferem mudar de lugar. Resolvo ficar ali até a lua alcançar o centro do céu.
As rãs coaxam incessantes e começo a ouvir ruídos vindos do salgueiral. É a hora da bicheza do chão. Mas esses eu sei que são difíceis de ver
De forma inesperada, acontece o imprevisto; Um texugo dá de caras comigo. Não era suposto eu estar ali e foge assustado. Acho que se sente traído pelo seu olfato, ao não detetar-me em tempo útil. Não fiz qualquer movimento, mas acho que o texugo deu o alarme, pois até os mosquitos desapareceram.
Apetecia-me ficar ali e esperar para ver a aurora rasgar o véu da noite, mas comecei a sentir-me um intruso. Chegara ali para desfrutar de um mundo natural que me apaixona, mas acabei por contribuir para a alteração das naturais rotinas do lugar.
Amar a natureza é acima de tudo respeita-la. Voltarei sempre, mas tentarei não ser um intruso.
Aníbal Lopes
21/04/2017

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