sexta-feira, 22 de março de 2013

ESTES ISLANDESES SÃO LOUCOS


Estes islandeses são loucos. Depois do colapso financeiro de 2008 não pagaram as dívidas dos bancos falidos e criaram uma nova constituição, redigida por 25 cidadãos, criando as bases de uma democracia directa. 

Fizeram o que Portugal, Grécia, Espanha e Itália não fizeram: confiaram na força da soberania popular. Mas o pior estava para vir: apostaram decisivamente nas indústrias criativas e culturais como principal força de crescimento, enquanto os países do Sul da Europa fizeram o que costumam fazer em situações clássicas de crise, onde o sector cultural é sempre visto como problema e não como fazendo parte da solução, sendo uma das áreas mais sacrificadas com cortes nas despesas e orçamento.

Resultado: os países do Sul esperneiam com a corda da austeridade na garganta, enquanto os loucos recuperam a economia. Segundo o El País (3 de Março), o impacto económico das actividades culturais (1.000 milhões de euros) situa-se agora apenas abaixo da histórica indústria da ilha: as pescas. Uma das primeiras medidas do governo eleito em 2009, foi esse: em vez de estar refém de algumas indústrias, apostou na diversificação. 

O resto foi com a jovem ministra da cultura Katrín Jakobsdóttir que desde que está no governo, há quatro anos, conseguiu converter os artistas em protagonistas da retoma económica, cortando nas despesas fixas, e aumentando nas contribuições a projectos culturais independentes, numa mescla de tecido público e privado muito ágil, mas que em nenhum momento supõe a renúncia do Estado na gestão da cultura e educação. 

A sociedade civil também contribuiu, com um grupo alargado de agentes culturais a tentar encontrar uma estratégia para a sua área. Queriam provar que podiam contribuir para a resolução da crise tanto como o sector dos alumínios, por exemplo. E uma série de iniciativas ocorreram. Algumas loucas: a Academia das Artes juntou engenheiros, cientistas alimentares, designers e agricultores no sentido de criarem novos produtos para serem vendidos no mercado internacional e a coisa revelou-se um sucesso. 

Por sua vez o organismo de exportação da música islandesa não tem mãos a medir, mostrando que existe muito mais para lá de Björk ou Sigur Rós para o mundo conhecer – o ano passado 43 bandas tocaram no exterior. 

Ao mesmo tempo a indústria do cinema está em ebulição, em parte graças à política governamental de reembolsar 20% dos custos de produção de filmes ou série de TV filmadas no país (Ridley Scott ou Darren Aronofsky filmaram ali recentemente). E a indústria dos jogos de vídeo cresceu exponencialmente. 

Tudo isto teve repercussões noutros sectores, com destaque para o turismo. A natureza continua a ser atracção, mas o novo surto de visitantes vai atraído pela cena musical. Resultado: depois da crise, a assistência a concertos, espectáculos e exposições subiu. 

E tudo indica que o crescimento destas indústrias não vai abrandar, porque o investimento nelas é cada vez maior. De onde vem o dinheiro? Da indústria das pescas. Sei o que está a pensar quem enverga gravata por obrigação: tem apenas 320, 000 habitantes, é um país do tamanho de Portugal, é um caso singular, existem outros elementos para compreender a recuperação, como o aumento selectivo dos impostos, e o país enfrenta desafios (a moeda desvalorizou e a dívida externa continua por pagar). 

Mas será que, apesar de todas as diferenças entre países, não há nada, mesmo nada, a retirar desta experiência? A verdade é que apostaram em sectores normalmente negligenciados e recuperaram dos seus problemas económicos. Em vez da austeridade, a criatividade. E os loucos são eles? 

Público (2) 17-3-2013

(Imagem TelaUniversel)

4 comentários:

  1. O Cão está de volta: caosarnoso.blogs.sapo.pt/

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  2. A cultura, por cá, vive à conta do Estado e das autarquias. Quando deixar de ser assim e se transformar numa "indústria" poderá, então sim, ser geradora de riqueza. Ainda que, como é óbvio, goze de alguns, ou até mesmo muitos, "privilégios" e incentivos fiscais.

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  3. Kanhoto:
    Vê-se que não percebes nada de Cultura. Mas enfim...

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  4. http://penaultima.blogs.sapo.pt blog a reter na blogosfera concelhia

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