domingo, 1 de janeiro de 2012

Os heróis são feitos de coragem, bravura e sonho


A audácia de Samira, a jovem mulher que ousou enfrentar os militares egípcios, tem de ser enaltecida. Esta verdadeira guerreira, mais do que por si, lutou pelas outras mulheres

No passado dia 27 de Dezembro, um Tribunal Administrativo egípcio decretou o fim dos chamados “testes de virgindade” a que as detidas do sexo feminino eram sujeitas nas prisões militares.

Tudo começou após a detenção de quase duas dezenas de mulheres, ocorrida em Março, na Praça Tahrir. As mulheres, que participavam num protesto pró-democracia, foram feitas prisioneiras sob diversas acusações, entre elas a de violação do recolher obrigatório (apesar de, segundo se refere, a detenção ter sido feita às 15h…).

As detidas foram insultadas, amarradas, arrastadas pelo chão, esbofeteadas, espancadas e maltratadas. Já na prisão, foram separadas em dois grupos: as casadas e as solteiras. Estas últimas foram então levadas, uma a uma, para uma sala onde, com as janelas abertas e à vista de soldados que se divertiam a fotografar a cena, foram obrigadas a despir-se e a deixar-se “examinar”, durante longos minutos, por um suposto médico, com o objectivo de verificar a sua virgindade.

Ao contrário das outras, uma das detidas, Samira Ibrahim, de 25 anos, apresentou queixa formal contra os militares egípcios que a maltrataram. Por causa disso, recebeu ameaças de morte. Mas, contra todas as probabilidades (até os seus advogados diziam que o caso não parecia poder ter um desfecho favorável), e apesar de os militares terem negado repetidamente que tais actos tivessem sido levados a cabo, esta mulher conseguiu, pela sua coragem, aquilo que parecia impossível: o Tribunal decretou que os “testes de virgindade” levados a cabo nas prisões militares tenham um fim imediato.

Esta é, certamente, apenas uma pequena vitória na enorme guerra que é necessário travar para que a discriminação, a desvalorização e a segregação a que as mulheres são sujeitas em países conservadores, patriarcais e opressivos como o Egipto terminem definitivamente. Muito há ainda a fazer: nas palavras de uma activista da Human Rights Wacht, Heba Morayef, a luta pelos direitos das mulheres é ainda maior que a luta pelos direitos humanos.

Mas a audácia de Samira, desta jovem mulher que ousou enfrentar os militares egípcios, tem de ser enaltecida. Apesar da humilhação, da vergonha, da tortura a que foi submetida, esta verdadeira guerreira, mais do que por si, lutou pelas outras mulheres. Samira disse que tomou a decisão de avançar com a queixa para que nenhuma outra mulher tenha de passar pelo que ela passou. E a sua atitude foi determinante nesse sentido, como resulta da decisão proferida pelo Tribunal egípcio.

Os heróis são feitos desta massa. Da massa da coragem; da massa da bravura; da massa dos sonhos. Samira sonha com um mundo melhor, mais humano, mais igual, mais fraterno, mais livre. E o sonho, como todos sabemos, comanda a vida.

(Texto de Maria de Deus Botelho • 31/12/2011 - 13:05 in P3)

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